sexta-feira, 2 de maio de 2014

SOBRE LARES

É uma sensação de volta
ao passado.
Trespassado.
Inacabado.

Chocolates com outros gostos,
Gorduras inebriantes, 
Arroz, feijão, sal, conversa, 
em pé.
Na cozinha.

Uma distância próxima.
Uma proximidade distante.
Um segundo, um instante.
Um café, ainda em coador de pano.

Nada é de fato muito certo.
Falas e sonhos que se repetem, 
sem rimas, ou pobres combinações.
Mas insistentemente esperançosas.

Um calor verdadeiro, numa coberta velha.
Com cheiro de passado,
Leva a um sono reconfortante,
Tão infantil quanto a vida
Que achamos que é adulta.

É em casa que vemos que não crescemos.
E que não precisamos crescer.

Mas é essa bendita que nos cresce.

Eu tenho vários lares, 
Pois lares são divindades domésticas.
E hoje, um deles cheira a bolinho de chuva.
Ou a batata doce.


Felizes aqueles que têm vários lares...

Felizes aqueles que os cultuam..



quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

BALADA DE UMA DECADÊNCIA


Procurava falar línguas esquecidas,

Decorava mensagens repetidas,
Escrevia com letras de alfabetos mortos,
Derrubava cidades não erguidas,
Mas terminava bêbado,
Nos bares do fim do mundo.

Voava pelas montanhas esquecidas,
Namorava mulheres repetidas,
Comprava sonhos de comerciantes mortos,
Remodelava estátuas não erguidas,
Mas acabava esquecido,
Nas esquinas do fim do mundo.

Citava frases há muito esquecidas,
Contava anedotas sempre repetidas,
Sonhava que seus sonhos estavam mortos,
Adorava deusas velhas não erguidas,
Mas acabava internado,
Nos asilos do fim do mundo.

Chorava lágrimas por vezes esquecidas,
Suplicava retóricas sempre repetidas,
Confidenciava com amigos todos mortos,
Procurava abrigo em decadências não erguidas,
Para sempre continuar assassinado,
Nas estradas do fim do mundo...

sábado, 29 de dezembro de 2012

DE TODOS

Em uma primeira impressão, 
Tenho a impressão.
que não impressionamos.

Parecemos parecer.
Carecemos parecer?
Que parecemos.

Do fracasso
O que nos resta, 
é o sucesso.
Falso.

Não somos felizes.
Parecemos felizes.
Fingimos felizes.

E felizes somos.

Não somos.
Nada.
"Pálido ponto azul".

Ninguém sabe
mesmo
quem é.

Não sabemos
ser felizes.

Porque felicidade, 
Não há.

Há o arremedo.
Do qual nos acostumamos.

E não buscamos
Mais nada.

Carecemos parecer que ganhamos.
Parecemos carecer que amamos.

E todos vamos levando.
Sem saber
De fato.
O quê...




terça-feira, 13 de novembro de 2012

ESCUSAS


Toda uma manhã a filosofar sobre teias de aranha.


Rodopiante fumaça que se esvai no ambiente,
Uma série de viagens de descobertas breves e infantis,
Uma beleza simples e leve escondida entre os dedos tesos.

Enquanto isso, um óculos escuro fuma um cigarro.

Despertam várias unidades de Carbono sorridentes,
Um riso, um sorriso, do tipo receoso, medroso e mal disfarçado
Havia dúvida, pânico, espanto ou poderia até ser admiração.

A graça foi feita, espera-se um sorriso cúmplice. Ele vem.

De forma sorrateira, chega-se com a neblina e se despede com o sol,
Desfere um abraço tímido, distante com um inseguro preconceito,
E se esvai lentamente como uma fumaça pálida de um cigarro.

E a aranha continua sua teia. Alheia. Triste aranha...


(Uberlândia, Maio de 1997 - Reescrito em Abril de 2012)


sexta-feira, 27 de abril de 2012

AU(L)TO RETRATO


Eu estive
esses dias
Pensando sobre você.
Muito.
O que te faz mover,
O que pensar te faz...
O que te faz fazer.
O que te faz pensar.
O que mover te faz... 
Sua lógica às vezes falha,
Suas emoções nem sempre verdadeiras,
Seu choro nervoso...

Eu tenho refletido sobre você, 
à noite.
Sobre sua solidão (in)desejável,
Sobre seus braços, de volta pra casa,
Navegantes, ondulantes, amargos...
Sobre sua cabeça, doce, involuntária.
Sobre sua mão sem calos.
Ou quando calas a tua voz.
Sobre sua incoerência viva e sagaz.

Eu tive que raciocinar sobre você,
Como é o funcionamento de suas ações,
Vida irrefletida no espelho,
Reflexo nulo em água clara,
Ondas que levam e lavam a face.
Mágicas redundantes. 
Quentes.
Pequenas.
Surpresas.

Eu tenho sempre estudado você.
Sua clareza que se impõe,
Sua inteligência treinada.
Sua marca enganadora.
Sua inocência disfarçada;
Sua trágica animalidade,
Sua eterna paciência,
Sua dúvida eterna.
Seu sonho recorrente.
Seu próximo fim...

É.
É o que me parece.
eu estive mesmo pensando sobre você.


sábado, 7 de abril de 2012

DÚVIDAS?

Qual é?
A cor do cheiro?
Poderia ser doce.
O som do respeito?
É claro que é branco.
O tamanho do ódio?
Acredito que seja caro.

O que significa?
A água insípida, mas com gosto de água? 
Penso que seja sua ardência.
O amor inodoro, mas com cheiro de dor?
Seria um dos ramos do prazer.
O medo incolor, mas que funciona no escuro?
Isso é a única certeza.

Quanto é?
O preço do amor que me é dado?
Violento somente.
O valor do seu suor que me escorre?
Ácido e quente.
A mais valia do meu trabalho inútil?
Pagam-me como útil.

Qual é o sentido da morte?
Um vetor para a terra.
O que significa a vida?
Mais uma etapa da Vida.
Quanto vale a dúvida?
Ora, é a única coisa que vale...

sábado, 11 de fevereiro de 2012

MATÉRIA


A luz de nossas estrelas,
  A física de meus atos, 
    A psicologia de seus olhos.

    A química da sua língua, 
  A lógica do meu beijo,
A hidrostática de nosso suor,

A geometria da nossa cama,
  A biologia do meu sorriso,
    A arte dos seus braços.

    A geografia do seu corpo. 
  A filosofia do meu gozo,
O português de nossos gritos,
 
A metafísica de nossos dedos, 
  A educação de minhas mãos,
    A tecnologia de suas coxas.

    A sociologia de suas ações,
  A escuridão dos meus atos,
A história de nós dois...  



terça-feira, 22 de novembro de 2011

CHANGES

Eu venho mudando há tanto tempo
Que estranhei ao ouvir o quanto mudei.
Mudar não é uma coisa sutil somente aos olhos
É real e pode ser notada à distância.
Eu não pedi pela mudança
Violão sem cordas a me encarar
Eu não sofri pelos finais imprecisos.
Amigos que se reúnem mudados.
Tempo que passa obrigatoriamente.
Eu não criei o futuro.
Eu não pedi por olhos indecisos.
As coisas são o que parecem ser
Se não parecem, eis o disfarce perfeito. 

Eu disse a mim mesmo que mudei 
Um dia, ou outro.
Lembro-me daquelas fugas inseguras
Dos olhos indecisos.
Daqueles passos imprecisos.
De todos os finais a mim,
Atribuídos...
Eu venho mudando há tanto tempo.
Que nem notei pela mudança...

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

CONQUISTAS

Abandonou toda aquela certeza,
   Agora, 
Obsoleta tão somente.

Em uma cálida paz,
       Pomposa voz,
                         Aparente tez.

Tomou posse de si mesmo, 
   Outrora, 
Quase simplesmente.

Em uma gélida paz,
       Grossa voz,
                     Clara tez.

Calou um destino que inexistia,
   Agora, 
Menos que intensamente.

Em uma insensata paz,
       Doce voz,
                  Mesma tez.

Tornou o que era escuro, claro,
   Outrora,
Muito facilmente.

Em uma aparente paz,
       Sacrificada voz,
                             Ludibriada tez.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

RÉQUIEM DE FINADOS (PLEONASMO DA SAUDADE)


Dedicado a Memória de Ricardo Chiaretto Fernandes (1973-1991)

Certa vez eu perdi um amigo para O Outro Lado da Montanha.
Dizem que os bons morrem jovens.
Mas não somos quase todos bons quando jovens?
Ao menos ele partiu tendo experimentado o gosto de um beijo.

Certa vez eu perdi um amigo para a Ida em Vão.
Uma dor forte. Uma dor que estraçalha o corpo.
Uma dor que dói tão fundo que não volta mais à superfície.
Aquela dor que foi disfarçada pela falsa segurança,
Da juventude.
Uma falta de choro escondida por uma estúpida e insistente,
Quietude.
Ao menos ele partiu tendo experimentado o gosto da paixão.

Certa vez eu perdi um amigo para o Sono dos Justos
O que dói não é a partida, a ida, a despedida,
Mas a ausência e a lembrança que não conforta,
Dilacera. Sem dó. Sem piedade.
O que dói não é a notícia,
São aqueles olhos que outrora eram brilhantes, extasiantes,
E se apresentam cerrados, frios. Imóveis.
Ele partiu e não sei se por teimosia, não cumpriu, ainda, nosso acordo.

Certa vez eu perdi um amigo em um passado muito distante.
“Quem morrer primeiro volta pra dizer como é?”
“Feito”.
Não houve volta. Não houve notícias. Não houve absolutamente,
Nada.
Só há as fotos. Velhas. De papel ainda.
Como que para me lembrar que o tempo passa. Que envelhecemos.
Mas o maior problema, não são as fotos e a saudade
Que corroem as pessoas que por aqui ficaram.
Não é a vontade de vê-lo novamente e sonhar que talvez isso seja possível.
É muito pior.
Por mais que eu olhe, cada vez mais espaçadamente,
Aquelas velhas fotos um pouco amassadas,
Pareço não reconhecer mais aquele rosto.
Lembranças fortes também se esvaem.

E é isso que mais dói.
Insistentemente...

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

CANÇÃO A UM AMIGO DISTANTE

E anos já se passaram.

São mais anos distantes do que anos convividos.

Sente-se falta de tênis basket, 
De barbas sujas em shoppings.
Marginais propositais em um mundo a ser enfrentado.
Sente-se falta de braços rabiscados.
Da inteligência sagaz e da firmeza de opiniões.

Das competições sadias
um contro o outro, outro contra o um
Ambos a favor...

Sente-se falta dos contos bem contados
e dos poemas ácidos, abafados, cronometrados.
Sente-se falta de pães dormidos, fritos e esquentados.
De caminhadas longas, por centros até bares malfadados.

É triste quando a distância nos rouba uma amizade.
Mas a alegria das palavras sempre a traz de volta.

Sente-se falta dos vários jogos inventados,
De futuros e passados em presente idealizados.

A falta é sempre grande, mas descobri maneiras de 
Apaziguá-la.

Roubei de um grande amigo cada cor de sua Lua Verde.
E de sua fábrica de sonhos que fabricam softwares.

E sente-se profundamente, que estrofes como essa
e outras coisas mais sutis, 
Por mais que o tempo passe e sempre surjam outros
Amigos.
Só ele tem a capacidade de entender...

Heróico. Amigo.
Distante. Mas próximo.
Pai, poeta, contista, músico e claro,
Professor.

Em 24 de outubro, corujas taciturnas, 
Vigiam sua primavera.

O tempo passa, lentamente. A tecnologia evolui.
De vinil para o CD. Do DVD à volta dos vinis.
Essa foi uma canção para um velho amigo.
Com uma rima amiga e forçada
De Marlurreby para Marsvinis...

sábado, 22 de outubro de 2011

SOBRE OS SÓIS

Em meus sonhos todos os planetas são verdes.
Amigos antigos sabem disso.
Eles rodopiam loucamente pela minha cabeça confusa.
Enquanto finjo uma eloquência delinquente.

Preciso de sóis que não esmoreçam.
Sóis que não desistam.
Sóis que brilham calmamente. Em seu lugar.
Para que meus planetas se mantenham seguramente,
Em órbita
De mim mesmo.

E é a saudade que machuca um planeta verde,
Distante de seu sol. De seu presente sol.

Sunshine...

DOS MALES

Eu não quero causar nenhum mal.
Mas que tipo de mau eu sou?

Não quero magoar ninguém por uma maldade sem
maldade...

Porque eu não sou mau e não é por mal que sou assim.

Eu estou mal agora. Mas às vezes, mal vejo a hora de ser mau.

E quando quero ser mau, não o faço por maldade.
É porque estou mal comigo mesmo.

Eu gosto de amar as pessoas. Faço isso sem maldade.
Mas às vezes, é uma maldade o que fazem comigo.

Olha. Nunca é por mal. Nem para ser mau.
É sempre sem maldade.

(São Carlos - SP, verão de 2002)